Não é que eu não goste de Brasília, muito pelo contrário, desde que cheguei aqui a cidade se pintou de forma mística e interessante, despertou algumas grandes curiosidades por se mergulhar em mistérios e muito mais indignação do que qualquer outro sentimento de amor ou raiva.
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Matizes do céu de Brasilia no trajeto para cara no fim do expediente |
Uma cidade em que o céu se fez cúpula e saiu distribuindo horizontes pra todos os lados. A alvorada, o entardecer, a aurora, o raiar do dia, as estrelas, a lua, o sol, vênus, marte e júpite, o cruzeiro do sul, todos estão lá, ali, e se virar um pouco mais a cabeça pode ver outra parte de céu pintado pela natureza. E aquele bando de nuvens vindo onde a vista perde a lucidez trazendo mais uma chuva pra reavivar os reservatórios naturais da vegetação do cerrado, da até vontade de filmar. O parque da cidade é um post à parte.
A facilidade dos acessos e a calmaria da cidade a transformam em um ótimo lugar pra se evitar o corre-corre das megalópoles do sul-sudeste, com quase todas as vantagens de uma capital. Eu friso: Quase! Capital é o cabeça, aquele que por definição manda no restante e REFLETE, e refletir estar longe de ser meramente o espelho. Refletir e proporcionar maior quantidade de cultura, é proporcionar arte, é questionar, é pensar, e infelizmente Brasília não está preparada para isso.
Tenho como teoria pessoal, e por isso tão incerta quanto falha, a certeza de que a cidade teve em seu início um grande trauma de infância. Fundada em 21 de abril de 1960, aproveitando-se de um feriado (como uma cidade não tem data festiva própria?! Ainda mais capital do país das festas e dos feriados) a cidade foi em seu quarto ano de existência, palco do golpe que deu poder aos militares e censurou as bocas de nossos artistas. A interação entre as pessoas, o medo da represália, o toque de recolher (que hoje em dia é as 02:00 da matina, mas antes devia ser as 22:00) somado ao fato de que os milicos dispersavam qualquer aglomeração de 3 ou mais pessoas com medo de que fosse algum complô contrario ao poder imposto semearam nessa cidade a desconfiança entre os seus cidadãos e o habito de não cultivar amigos por onde se passa. Fosse ainda democracia, talvez tivéssemos polvilhado o centro oeste de artistas dos mais diversos lugares do brasil e hoje teríamos muito mais noção de quem somos e das nossas grandes misturas.
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Luzes da Cidade de Brasília pela Nasa |
Em seus 50 anos a cidade tem apenas dois grandes nomes que são citados com orgulho por todos: JK (Preferência nata desta cidade por siglas) e Renato Russo, o carioca mais brasiliense que já existiu. Os outros grandes nomes como Cássia Eller (também carioca segundo o wikipédia), a Zélia Duncan (de Niterói, cidade da vista mais privilegia) e Dinho Ouro Preto (curitibano), também tiveram essa cidade como padrinha de seus intentos artísticos e de suas buscas por suas identidades culturais. O que vem a ser um contra-senso, pois é justamente o que falta de forma notória em Brasília.
É o pedaço de chão menos brasileiro do país e tem a sina de ser a capital mais provinciana. O sucesso qualquer custo, o desrespeito pelo consumidor, o descaso pelas suas próprias mazelas e a ausência total de boemia me dão medo. Certamente a culpa não é só dos brasilienses e não pertence também ao estadista JK. A capital no cerrado era prevista na época da coroa, assim como a transposição do São Francisco. Coisas nossas, pra nosso desenvolvimento. Mas nosso ranço português de não perdermos a conexão com as "zoropa" não deixa até hoje nos distanciarmos muito do litoral, fato percebido em todos os olhares que me recriminam por ter trocado a cidade maravilhosa pela cidade que ainda é só um projeto. Ah, esses olhares, acreditem são frequentemente feitos por quem ainda nem conhece o Rio.
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Arte do aeroporto com os pontos turísticos principais de BSB |
Todo o desenvolvimento esbarra em críticas, tenho certeza de reparar hoje em Brasília a boa vontade para que as coisas mudem, mas tenho certeza que este processo é longo e talvez doloroso. A cidade apresenta muita história, pontos turísticos interessantes e potencial para expressão de culturas em inúmeras artes. A começar pela mídia, os brasileiros deveriam adotar a cidade de Brasília, a que vai além do congresso e dos três poderes, mostrar o povo que teve que se reinventar e ainda constrói a identidade de uma cidade, processo que eu to adorando acompanhar de perto. Costumo me orgulhar em dizer que não há prazer maior do que pousar no Santos Dummont, vendo o Cristo, a Baía da Guanabara e a Enseada de Botafogo. Mas também confesso que é lindo ver as luzes organizadas da cidade moderna mais bem sucedida em ser projetada do mundo, chegando domingo há noite para mais algumas semanas de trabalho, nessas horas chego a conclusão de que Brasília é um ótimo lugar pra se morar, só não sabe ser uma capital muito menos brasileira, mas isso não é de todo importante, nós também não sabemos o que é ser brasileiro. E essa resposta só quem pode nos dar é a nossa arte.
2 comentários:
Adorei seus comentários. Concordo com uma coisa, continuo achando a vista dos Santos Dummont a melhor do mundo. Acho que só quase perde para a da Niemeyer, quando vamos para a Barra. Saímos do túnel e caimos de cara naquele mundo lindo. Bem, mas se o assunto é Brasília, não me convence as linhas retas, apesar de ser uma cidade deliciosa. O bom é que a gente conhece pessoas legais e ainda estamos construindo nossa cara. Acho que já conseguimos tirar quase toda a família Roriz do poder, isso significa, que estamos caminhando... Parabéns pelo texto. Devia ser publicado. Vi poucas vezes algo tão lúcido sobre a nossa capital.
Obrigado pelo comentário Celsinho, queria ver coisas mais lúdicas sobre Brasília, como não achei muitas, resolvi eu mesmo escrever. Espero que tenhamos mais inspirações, afinal, Brasília também é brasileira e merece nossa atenção. Veio pra ficar, que diga então a que veio.
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